sábado, 29 de agosto de 2009

"A formação" por Chico Costa (capitão do Brasil na Copa Davis)

A pergunta que mais me fazem, onde quer que eu esteja, é a seguinte: por que é tão difícil para um tenista brasileiro chegar entre os melhores?

Sempre digo que os problemas já começam na formação dos jogadores. Raríssimos são os atletas que chegam aos 18, 19 anos realmente preparados para encarar o circuito profissional.

Quando se fala em formação, é preciso incluir três aspectos fundamentais: os pais, os profissionais da área, e o meio cultural onde o jovem está inserido.

Então, vou fazer uma rápida análise desses três aspectos, tentando mostrar, de maneira geral, quais os principais problemas, e algumas sugestões simples para que possamos formar melhores tenistas.

1. Os pais

- Como funciona: por ainda se tratar de um esporte de elite, existe uma certa semelhança entre a grande maioria das famílias de tenistas. O pai, geralmente, é um sujeito que é bem sucedido em sua profissão e gosta de tênis. Muitos até praticam o esporte. As mães, de maneira geral, são super-protetoras, não gostam de ver o filho "sofrendo" por causa do tênis.

- Principais problemas: por se considerarem "vencedores" em sua profissão, e por terem um certo conhecimento de tênis, muitos pais se sentem no direito de dar pitacos em tudo. Se tornam, assim, pais autoritários, inibidores. Não sabem que o funil, no esporte de alto nível, é bem mais estreito do que em outras áreas. Quantos pais estão no top-10 do Brasil, ou no top-200 do mundo, em suas profissões? Então, qualquer pressão por resultados que os pais venham a exercer fará com que o jovem desenvolva uma série de "vícios", como inventar desculpas, simular lesões, jogar com o braço encolhido, etc..

- Sugestão: a melhor coisa que os pais podem fazer pelo filho tenista é concentrar todas as energias em sua formação como ser humano, transmitir valores, garantir que ele continue indo à escola. E, isso sim, escolher muito bem aquele profissional que irá ensinar tênis ao filho. Estimular, investir, participar, é uma coisa; bancar o técnico, cobrar resultados, fazer comparações injustas é outra. O tenista precisa se sentir "livre" para crescer e desenvolver todo seu potencial.

2. Profissionais da área

- Como funciona: assim como o mundo se tornou "exageradamente capitalista" nas últimas décadas, o tênis também passou a ser visto por muita gente apenas como um bom negócio.

- Principais problemas: assim como os exageros capitalistas nos conduziram a uma realidade de violência desenfreada, crises econômicas, desastres naturais, o "tênis-negócio" também trouxe uma série de problemas. Nossos clubes terceirizaram o tênis, o que acabou desestimulando o tênis de competição. Alguns professores nem têm um passado tenístico ou identificação com o clube, muitos sequer gostam do esporte. Uns até fizeram faculdade, cursos, mas estão ali apenas para ganhar a vida, veem o aluno como um cliente que precisa ser mantido a qualquer preço. Ou seja, não estão comprometidos com o esporte, com o clube, e nem com a formação de ninguém. Alguns professores chegam a ficar uma, duas décadas em um clube, sem mostrar nada que se pareça com um bom trabalho. São apenas "administradores da mediocridade".

- Sugestão: nossos clubes precisam, urgentemente, voltar a valorizar o tênis profissional, voltar a ter uma equipe forte de competição infanto-juvenil. Para isso, basta dividir bem seu espaço entre lazer, escolinha e competição, já que uma área depende das outras duas para sobreviver. Os clubes precisam, para isso, contar com profissionais competentes e adequados para cada uma dessas áreas, já que elas exigem qualidades diferentes.

3. O meio cultural

- Como funciona: não é novidade pra ninguém que o esporte de alto nível exige disciplina, foco, dedicação, desde os 13, 14 anos. Além disso, o tênis está cada vez mais competitivo, mais exigente. Talento e determinação são necessários, mas não bastam. Para chegar ao alto nível, o jovem precisa desenvolver valores, precisa ter uma boa formação cultural.

- Principais problemas: aqui, infelizmente, o buraco é mais embaixo. A cultura brasileira estimula o adolescente a comer porcarias, a namorar, a experimentar coisas, a aproveitar a vida. Como manter um jovem com os hormônios à flor da pele alheio a tudo isso? Como fazê-lo ficar em casa à noite, descansando para treinar no dia seguinte? Como fazê-lo se alimentar corretamente? Como convencê-lo de que todos os seus amigos estão errados?

- Sugestão: no Brasil de hoje, infelizmente, um jovem que queira sonhar com o tênis de alto nível, precisa ser, desde cedo, muito bem orientado. Tanto em casa, pelos pais, como na quadra, pelo professor ou treinador. Precisa chegar à fase de adolescência já consciente de que, a partir dali, deverá ter um comportamento diferenciado. Precisa desenvolver, o quanto antes, uma idéia de mundo que o liberte, tanto da influência da mídia, como da necessidade de ser popular entre os demais jovens. Precisa também aprender a raciocinar, a ter opinião própria, a escutar, a prestar atenção quando está sendo orientado. Precisa aprender a tomar decisões, a ter atitude, a lutar pelos seus objetivos.

Espero ter contribuído com alguma coisa.

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